Introdução
Diz-nos a sabedoria popular que ”o prometido é devido”.
Com efeito, importa salientar que o contrato-promessa existe e vale por si só, não correspondendo a uma mera fase de negociação ou um estágio preliminar da formação da vontade das partes, mas sim, e desde logo, a um verdadeiro contrato com todas as suas consequências.
Segundo o artigo o n.º 1 do artigo 410º do Código Civil, o contrato-promessa corresponde à “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, ou seja, visa a celebração de um outro contrato (o contrato prometido ou definitivo), que por diversas razões diversas não pôde ser celebrado no imediato.
No processo de aquisição de um imóvel, é usual as partes celebrarem um contrato-promessa, devido, normalmente, (i) ao hiato de tempo necessário para preparar a venda definitiva (escritura) do imóvel, em particular, no que respeita a toda a documentação necessária, ou (ii) ao facto do comprador pretender recorrer a financiamento, com as consequências que tal acarreta em termos temporais.
Dada a frequência desta figura no mercado imobiliário, iremos abordar o instituto em causa e a sua interligação com o contrato de compra e venda, sem ignorar a causa de todos os litígios – a entrega do sinal e todas as suas consequências.
O sinal
De acordo com o artigo 441º do Código Civil, presume-se ter “carácter de sinal, toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Com efeito, é comum existir a entrega de valores a título de sinal no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, sobretudo para o comprador demonstrar ao vendedor o seu compromisso e seriedade em relação ao negócio, mas também para compensar o vendedor pela delonga no processo de venda e pela “exclusão” do imóvel do mercado pelo período acordado para a celebração do contrato definitivo
Apesar dos valores entregues a título de sinal serem sempre imputados no preço do imóvel, surge, no entanto, a questão de, em caso de incumprimento do contrato promessa, o que é que sucede a estas quantias entregues pelo comprador ao vendedor.
O prometido é devido, mas não foi prestado – Quid Juris?
Para analisarmos o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e suas consequências, deve ser mencionado, antes de mais, que existem vários tipos de incumprimento, sendo que neste âmbito devemos destacar a mora e o não cumprimento definitivo.
Além disso, para analisarmos apropriadamente esta temática, devemos ter também em conta os mecanismos a que devemos recorrer para um correto enquadramento desta problemática.
Ora, o próprio contrato-promessa em questão poderá prever e dar resposta às consequências do incumprimento, em especial, no que respeita à mora e ao incumprimento definitivo no agendamento ou celebração do contrato definitivo (o contrato de compra e venda do imóvel).
De facto, é frequente no tráfego jurídico e no mercado imobiliário, o contrato-promessa de compra e venda estipular em que situações se verifica a simples mora e em que situações se verifica o incumprimento definitivo, ou mesmo quais os procedimentos que as partes devem cumprir ou respeitar para se verificar qualquer uma das modalidades de incumprimento em causa, sendo comum a necessidade de interpelações formais para se verificar um incumprimento definitivo.
Deste modo, as consequências do não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda (mora ou incumprimento definitivo), podem estar previstas no contrato (incluindo a perda de sinal por parte do comprado ou a restituição em dobro do sinal por parte do vendedor) - caso assim não seja, será necessário recorrer à legislação em vigor.
Mora
Segundo o n.º 2 do artigo 804º do Código Civil, “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido”.
Deste modo, é manifesto que no contrato-promessa de compra e venda, a mora consubstanciar-se-á sobretudo na falta de celebração tempestiva do contrato de compra e venda – ou seja, depois do prazo acordado.
Neste caso, a parte que não se encontre em mora poderá, entre outros, recorrer ao mecanismo denominado por execução específica e que se encontra previsto no n.º 1 do artigo 830º do Código Civil, que consiste, em suma, na possibilidade de requerer ao tribunal a prolação de uma sentença que supra a inércia do promitente em mora, produzindo os efeitos jurídicos relevantes no âmbito do negócio de compra e venda em causa.
É orientação dominante da nossa doutrina e jurisprudência que a mora é o pressuposto da execução específica, por oposição à solução preconizada quando está em causa o incumprimento definitivo do contrato-promessa.
Incumprimento Definitivo do Contrato-Promessa
O incumprimento definitivo do contrato ocorre quando o contrato prometido se tornou impossível, quando, em virtude da mora, o promitente fiel tenha perdido o interesse no contrato prometido ou tenha sido estabelecido novo prazo para cumprimento que não foi respeitado.
Perante esta realidade, ao promitente fiel restará a resolução do contrato-promessa.
Neste contexto, no tráfego jurídico por norma a resposta quanto às consequências do incumprimento em causa resulta do artigo 442º do Código Civil.
Na verdade, e de acordo com a 1ª parte do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil, no caso de incumprimento definitivo por parte do promitente-comprador, o promitente-vendedor tem “a faculdade de fazer sua a coisa entregue”.
Caso o incumprimento definitivo for imputável ao promitente-vendedor, é aplicável a 2ª parte do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil, tendo o promitente-comprador a “ faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
No caso anterior, se tiver ocorrido tradição da coisa, (ex. entrega da chaves e ocupação do imóvel), e o promitente fiel exigir como indemnização o aumento do valor da coisa, pode o contraente faltoso “opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no art. 808º”.
Neste contexto, cumpre ainda salientar que se as partes não convencionarem em contrário, decorre do n.º 4 do artigo 442º do Código Civil a exclusão de qualquer outra indemnização exigível em resultado do incumprimento definitivo, salvaguardando-se a natureza não indemnizatória da sanção pecuniária compulsória, essa sim, admitida por alguma jurisprudência.
Cláusulas relativas a financiamento bancário
As cláusulas referentes à concessão ou aprovação de crédito por parte do comprador têm vindo a aumentar o seu impacto e presença no mercado imobiliário.
Tais cláusulas correspondem a acordos ao abrigo da autonomia das partes, em que ambas as partes convencionam que no caso de impossibilidade ou inviabilidade do comprador recorrer a financiamento para celebrar o contrato definitivo, tal determine a resolução do contrato e a devolução do sinal.
Estas cláusulas, sendo completamente definidas pela vontade das partes e de acordo com elas, regem-se segundo o que nelas está previsto no contrato-promessa em apreço.
Apesar de alguma controvérsia, estas cláusulas desempenham uma função relevante no mercado imobiliário, promovendo a realização do negócio definitivo, uma vez que o comprador sente confiança para dar impulso ao processo dado que, caso um evento alheio e inesperado suceda (a não concessão do crédito), não ficará depauperado das suas poupanças; por outro lado, o vendedor consegue excluir interessados que não têm capacidade para realizar o negócio em causa e ainda delimitar temporalmente o período de “espera” pelo comprador que inicialmente e sem financiamento não teria possibilidade de adquirir o imóvel, bem como de “exclusão” do imóvel do mercado, estipulando uma data até à qual deva ser entregue um comprovativo da aprovação do crédito.
Assim, e em conclusão, perante as consequências do não cumprimento de um contrato-promessa de compra e venda, devem as partes refletir adequada e previamente quanto ao interesse e viabilidade do negócio definitivo, analisando as consequências previstas no contrato que se encontram prestes a contrair para o caso de não lhe ser possível cumprir e celebrar o contrato definitivo de compra e venda do imóvel nos prazos e demais condições acordadas, atendendo em particular no que respeita ao sinal.
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